Golpe Militar de 1964. Comemorar o que?
Nos últimos dias, o Golpe Militar acontecido em 1964 voltou ao debate nacional, quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou a comemoração do fato ocorrido há 55 anos, quando o presidente João Goulart foi derrubado e começou a ditadura militar que durou até 1985.
Diversos órgãos, associações, se levantaram contra a ideia, e o presidente chegou a ser denunciado à ONU por esse motivo. Infelizmente, há aqueles que negam que o Brasil esteve um período de ditadura na nossa história, e até quem negue que foi um golpe.
Desde o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), há quem diga que o golpe já vinha sendo planejado. Quando Vargas inaugurou a Petrobrás, atraiu a ira do capital estrangeiro, interessado na exploração de petróleo no Brasil. Com o suicídio de Vargas, a comoção tomou conta do País e não houve o golpe - pelo menos, por enquanto.
Café Filho assumiu a presidência, com a morte de Vargas, e durante esse período, foi eleito Juscelino Kubstscheck tendo como vice João Goulart. As mesmas forças decidiram tentar impedir a posse de JK, alegando que foram apoiados por comunistas. A principal voz desse grupo nessa ocasião era Carlos Lacerda.
Café Filho saiu da presidência por motivos de saúde, e assumiu o presidente da Câmara, Carlos Luz. Como Carlos Luz era a favor do impedimento da posse de JK, ele acabou sendo afastado e quem assumiu foi o presidente do Senado, Nereu Ramos.
JK assumiu em 1956, e o seu governo durou até 1961. Em seguida, foi eleito presidente Jânio Quadros, tendo novamente João Goulart como vice - vale ressaltar que na época, o presidente e o vice eram escolhidos ambos pelo voto popular, de forma separada.
Jânio Quadros, em seu governo, no ano de 1961, iniciou uma política externa independente, que não representava necessariamente o desligamento dos EUA, mas apenas aproximação com outros países - inclusive os países socialistas. As atitudes de Jânio atraiu a ira daqueles mesmo que ajudaram a elegê-lo, acusando o presidente de querer o comunismo para o Brasil. Jânio chegou até mesmo a condecorar Che Guevara com a ordem do Cruzeiro do Sul. Em agosto de 1961, após sete meses de governo, Jânio renunciou e iniciou-se uma nova crise política. As mesmas forças que fracassaram em 1954 e 1955 agora voltavam mais fortes.
Antes de continuar, vamos abrir um parêntese e lembrar que o mundo vivia sob a Guerra Fria, opondo o capitalismo de um lado e o socialismo do outro. Os líderes mundiais do capitalismo eram os Estados Unidos, enquanto no socialismo era a então União Soviética.
Em 1959, Cuba se tornou a primeira e única nação a escapar da hegemonia americana, tornando-se socialista, com Fidel Castro ascendendo ao Governo. Isso ligou um sinal de alerta para os americanos, que temiam perder sua área de influência na América, em especial Brasil e Argentina.
Voltando para o a renúncia de Jânio, a Constituição de 1946 determinava que em caso de renúncia do presidente, o vice assumia. João Goulart (Jango), entretanto, se encontrava na China, onde estava em nome de Jânio discutindo o reatamento das relações diplomáticas, que haviam sido rompidas desde o governo do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).
Nessa ocasião, os grupos ligados ao capital estrangeiro começaram a articular o impedimento da posse do vice, alegando um suposto comunismo da parte dele. Jango, mesmo não tendo perfil de ditador e sendo afilhado político de um anticomunista - Getúlio Vargas - acabou acusado de comunista. Ranieri Mazzilli ocupou a presidência nesse período, na qualidade de presidente da Câmara dos Deputados.
Em 7 de setembro, Jango assumiu, mas com poderes limitados. Isso porque um acordo entre os janguistas e antijanguistas determinou que o Brasil fosse parlamentarista, tendo Tancredo Neves como primeiro ministro. Também decidiram marcar um plebiscito para janeiro de 1963, onde o povo escolheria em continuar com o parlamentarismo ou voltar ao presidencialismo. O povo optou pela volta ao presidencialismo.
Jango assumiu e agora tinha mais força. Pretendia fazer reformas de base. Pretendia modernizar o Brasil com as reformas. Porém, os setores contrários que defendiam a submissão ao capital estrangeiro tramaram a derrubada do presidente. A principal acusação dirigida contra Goulart foi a de querer transformar o Brasil em uma nação comunista, o que nunca se comprovou.
Setores populares, Igreja Católica e empresários se viam ameaçados pelos boatos e começaram a pedir a derrubada do Governo. A "Marcha com Deus e a Família pela Liberdade" reuniu várias pessoas. Jango realizou um comício na Central do Brasil em 13 de março, onde conclamou apoio popular pelas reformas. No dia 31 de março, o golpe: o "futuro ditador comunista", na visão deles, entregou o poder e foi para o exílio, no Uruguai. Não queria derramamento de sangue.
Ranieri Mazzili voltou novamente a ocupar a Presidência da Nação, até a eleição do novo presidente. Os militares prometeram, na ocasião, que ficariam apenas até janeiro de 1966, quando estava previsto o fim do mandato Jânio / Jango. O presidente foi escolhido: Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
Mas eles não cumpriram a promessa. Pessoalmente, Castelo Branco desejava logo o retorno da democracia, mas a "linha-dura" - liderada pelo Marechal Arthur da Costa e Silva - não permitiu que isso acontecesse. Assim, se iniciaram as inúmeras cassações de mandatos políticos, prisões, torturas, tudo isso para livrar o Brasil de um suposto perigo comunista.
Foram 21 anos de perseguições, torturas, mortes, assassinatos, censura, exílio, contra todos que ousassem discordar do regime. Nem os religiosos eram poupados. Tivemos nesse período cinco presidentes (Mal. Castelo Branco, Mal. Costa e Silva, Gal. Emílio Médici, Gal. Ernesto Geisel e Gal. João Figueiredo).
Não foi só o Brasil quem passou por esse processo. Outra nações sul-americanas também passaram pela triste experiência da ditadura militar, como por exemplo, Argentina (Videla) e Chile (Pinochet). Com a mesma desculpa esfarrapada do comunismo - mesmo que fosse verdade, não justifica as atrocidades -, instalaram ditaduras onde mataram, perseguiram, torturaram, censuraram e exilaram...
Se como dizem alguns, não houve ditadura, por que cassaram políticos eleitos pelo povo? Porque fecharam o Congresso Nacional tantas vezes? Por que o presidente não era escolhido pelo povo? Porque quem discordasse do Regime sofria retaliações?
Argentina e Chile repudiam a ditadura e o passado tenebroso que elas tiveram. Que o Brasil siga esse caminho, sob o risco de só ganhar deles no futebol e perder de goleada em consciência política.
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